sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Livro VI de "A República" de Platão

Comentário sobre o Livro VI de A República, Platão. Martins Fontes, São Paulo, 2006.

No final do livro V, Sócrates havia dito que os amigos do conhecimento são os filósofos, os que acolhem o próprio ser. São eles que têm condição de ver o justo em si e não apenas as coisas justas.
Sócrates inicia o livro VI afirmando que os filósofos deveriam ser os governantes já que são “filósofos os capazes de chegar àquilo que, do mesmo ponto de vista, é sempre o mesmo”. E sendo assim, são os capazes de salvaguardar as leis e as instituições da cidade.
A natureza destes homens é ter um amor pela ciência (pela verdade) que revela a essência do que é realmente e que não se corrompe. Eles recusam a mentira e sentem ódio por ela – “quem realmente ama a ciência tem qualidades naturais para a busca do ser e não fica na multiplicidade daquilo que parece ser, mas avança na busca, não perde a garra, nem desiste de seu amor, antes de atingir a natureza de cada coisa...”.
Ao falar sobre a alma filosófica, Sócrates afirma que ela é mansa e justa desde a infância, tem facilidade para aprender e é capaz de reter conhecimento.
Ao resumir as qualidades do filósofo, temos: “...dotado de boa memória, de facilidade para aprender, de magnanimidade, de graça, e .... (tendo) afinidade e parentesco com a verdade, a justiça, a coragem e a temperança”.
Após definir as qualidades, Sócrates lança a pergunta: por que a maioria é de homens maus? Para responder a essa pergunta devemos observar a corrupção da natureza do filósofo. O estranho é que cada uma das qualidades naturais destrói a alma que as possue. Tudo o que é considerado bom afasta a alma da filosofia: beleza, riqueza, parentesco, força física. Ora, uma alma medíocre não é capaz de grandes feitos, mas uma alma vigorosa corrompida por uma educação excepcionalmente ruim será capaz das piores injustiças.
Pausa para reflexão...
Um ponto interessante é o modo com o governante seria escolhido: segundo Sócrates, todo aquele que precisa ser governado deveria ir às portas do governante e não o governante pedir aos governados que os deixe governar, uma vez que são os governados que precisam do governante e não o contrário. Ele usa a analogia do doente procurando um médico: se eu estou doente, sou eu quem procura um médico e não o contrário, certo? Que diferença da corrida pelo poder que vemos no nosso cotidiano! Ainda mais em época de eleições... o leitor já imaginou como seria se o povo corresse atrás de um governante e implorasse para que ele governasse? E ele fosse muito reticente ao aceitar porque sabe da responsabilidade e do peso que isso significa? Mais uma pausa para reflexão ...
Com relação às constituições, Sócrates diz que nenhuma das atuais (atual = Grécia antiga) é conveniente à filosofia. Idealmente, a cidade deveria tratar a filosofia de modo que não perecesse, abordando seu estudo de modo oposto ao que estava sendo usado no momento. A proposta de Sócrates é: “quando são mocinhos e crianças, devem ter trato com uma educação e uma filosofia apropriada aos jovens e, no momento em que estão crescendo e se tornam homens, devem cuidar bem de seus corpos, conseguindo assim uma ajuda para a filosofia. Com o avanço da idade, no momento em que a alma começa a atingir seu desenvolvimento pleno, devem intensificar os exercícios relacionados com ela. E quando perdem a força física e ficam fora da política e das campanhas bélicas, então, como os animais sagrados já podem pastar em liberdade e nada fazer exceto o que para eles seja um passatempo, se é que se quer que vivam felizes, e depois de sua morte, o destino deles lá corresponda à vida vivida aqui”. Aqui é curiosa a comparação com os animais sagrados e, conforme explicado na nota 15 do Livro VI, a alusão ao mito da reencarnação das almas.
O livro VI se encerra com a afirmação de que a inteligência corresponde à parte mais elevada da alma, o pensamento corresponde à segunda parte da alma, crença à terceira e verossimilhança à ultima e “quanto mais os objetos participarem da verdade, mais clareza terão”.

2 comentários:

Mônica Berimbau disse...

ué...
Ele não tinha dito que para se manter a cidade atual valia até mentir?
Agora ele odeia a mentira?
Vai entender...rsrsrsrs
=)

Meu caderno de idéias disse...

É verdade, Mô, muito bem observado...mas ele diferencia a "nobre mentira" da mentira simplesmente. A "nobre mentira" é aquela que visa a um bem maior para a polis. O sistema que ele está propondo garante o uso "correto" da mentira através da seleção e educação do guardião e, até onde eu entendi, somente o guardião teria direito a "mentir" para o bem da cidade.