domingo, 31 de agosto de 2008

A República, Livro VII - o Mito da Caverna

Comentário sobre o Livro VII de A República, Platão. Martins Fontes, São Paulo, 2006.

O início do Livro VII trata, dentre outros assuntos, do mito da caverna, uma passagem bastante comentada desta obra. A hipótese proposta por Sócrates é que os homens estão numa caverna, olhando para a parede dela, de costas para uma fogueira que projeta sombras. Os homens estão presos e não podem olhar para trás, de modo que tudo o que conhecem são as sombras projetadas. Se um homem for levado para fora da caverna, terá seus olhos feridos pela claridade se olhar diretamente para as coisas imediatamente; assim ele terá que vagarosamente acostumar seus olhos, primeiro olhando ainda as sombras projetadas fora da caverna, depois os reflexos das coisas na água, conseguindo então, um pouco mais tarde, contemplar os astros à noite e, por fim, o sol e a luz do sol. Ou seja, só depois de acostumar seus olhos, o homem poderá ver as coisas na sua plenitude.
Este mesmo homem, ao voltar para a caverna, teria que acostumar novamente seus olhos às sombras. Nesse período de adaptação, seria menos capaz do que os outros que nunca saíram de lá; se este homem tentasse levar qualquer outro para fora da caverna, provavelmente seria morto, pois na concepção dos que nunca saíram da caverna, o “sair da caverna” lesa os olhos.
Sócrates pede que esta imagem seja aplicada a tudo o que veio antes. No que ele chama de mundo cognoscível, a idéia do bem é a mais difícil de ver e vem por último. No entanto, se é vista, impõe-se como a causa de tudo o que é correto e belo. No mundo visível, ela gera a luz; no mundo inteligível é ela que dá a verdade e a inteligência.
É natural que aqueles que chegaram a conhecer a idéia do bem não queriam voltar a exercer as atividades dos homens, mas no caso do filósofo guardião, como foi a própria cidade que o formou, ou seja, que deu toda a condição para que ele enxergasse a verdade, ele terá que voltar para as questões dos homens, pois é justo que ele devolva para a cidade o que ela investiu no filósofo guardião.
Sócrates volta, portanto, ao tema com o qual iniciou o livro VI afirmando que os filósofos deveriam ser os governantes já que são “filósofos os capazes de chegar àquilo que, do mesmo ponto de vista, é sempre o mesmo”. E sendo assim, são os capazes de salvaguardar as leis e as instituições da cidade.
Cabem aos fundadores da cidade ideal fazer com que as melhores naturezas caminhem para o alto e aprendam a ver o bem. Mas não devem permitir que elas permaneçam lá. Estas pessoas deverão buscar o governo como algo que não podem recusar – agora o leitor entende melhor porque Sócrates afirmava anteriormente que o melhor governante é aquele que não quer o governo, mas não tem como recusá-lo; tendo o filósofo conhecido o bem, enxergado a luz e entendido a verdade, ficaria, por sua vontade, neste plano elevado, mas sendo preparado pela própria cidade para ser seu guardião, vê-se obrigado a voltar para o plano dos homens.
O livro VII ainda fala da educação para os cidadãos, mas paremos por aqui para explorarmos um pouco mais o mito da caverna.
Apresento ao leitor, para referência, um trecho do livro Platão e Aristóteles, O fascínio da Filosofia de Marco Zingano (Imortais da Ciência, Coordenação Marcelo Gleiser, Odysseus Editora, 2005): "aquele que acredita somente no que vê e sente é como um homem acorrentado no fundo de uma caverna que assiste ao espetáculo das sombras de objetos que lhe são projetadas em seus muros. Sem ver de onde vem essa projeção e tomando as sombras pelas próprias coisas, não suspeita que os objetos, os verdadeiros, se encontram fora da caverna. Se, porém, conseguir livrar-se de seus grilhões, verá então que não passavam de sombras, e tentará, com grande esforço, galgar as entranhas da caverna para sair dela; lá fora, cegado pela luminosidade que desconhecia inteiramente, terá primeiro de acostumar-se com ela para enfim um dia mirar de frente o Sol, fonte de toda luz. O Sol simboliza a Idéia suprema; a saída da caverna designa o abandono do mundo das sensações em proveito unicamente do pensamento; os grilhões, nossa obstinação com o mundo da experiência."
Ainda para ilustrar o mito da caverna, eu trago aqui para o texto um filme que eu acho genial em vários aspectos: Matrix. Após o trauma da morte, Neo renasce e passa e enxergar o mundo em símbolos, ou seja, ele passa a enxergar a matrix como ela é e não mais como ela aparenta ser. Ao morrer, ele consegue finalmente se livrar dos grilhões que o prendiam à visão tradicional do mundo, à visão das sombras, das aparências. Ao renascer, ele sai da caverna e enxerga a verdade - foi dolorido conseguir ver a verdade (essa dor está representada na passagem pela morte), mas o seu renascimento é pleno e luminoso, quando toda a verdade se apresenta a seus olhos... Quem quer ficar na caverna e quem se arrisca a olhar diretamente para o Sol?

Um comentário:

Mônica Berimbau disse...

Pois é, estar dentro de uma caverna olhando as sombras que o sol gera lá de fora...e ter coragem pra ir até lá fora e conhecer, quem sabe, a verdade...
Será que a gente quer mesmo conhecer a verdade ou a gente prefere ficar aqui mesmo, na "segurança", convivendo num mundo de hipocrisias e mentiras?
Qual será o caminho para a luz?
Fazer como os monges, abandonar tudo e todos, abandonar seus pertences e viver num mundo de meditações?
Estudar tanto até concluir que tudo está errado?
Hmmmm... Isso deve doer...
Tá certo que a gente sempre quer mais e quanto mais você estuda, mais você quer estudar porque descobre que você não sabe nada...Então isso pode te levar a verdade, a essa luz do outro lado da caverna, mas virar-se, mexer-se, quase cegar-se não é tão fácil quanto parece e exige muito esforço e disciplina.
Bom, não sei qual a resposta, na verdade escrevi os pensamentos que me vieram na cabeça enquanto lia o texto, as minhas próprias perguntas, os meus próprios medos...
Alguém aí tem alguma resposta?
Bjus