Comentário sobre o Livro V de A República, Platão. Martins Fontes, São Paulo, 2006.
No livro IV, Sócrates definiu: as virtudes da cidade e na alma; o quanto a cidade deveria crescer; sobre o que legislar; como seriam as guerras e terminou introduzindo uma das formas de governo à qual ele nomeou monarquia, no caso em que há um governante e aristocracia, quando há vários.
Agora que ele definiu o papel do homem na cidade, ele se volta, no livro V, para o papel da mulher. É muito interessante a abordagem dele ao atribuir às mulheres o mesmo papel do homem. Segundo ele, as mulheres também devem aprender música e ginástica. Elas devem participar das guerras, sendo tratadas com as mesmas regras. Ele reconhece que essa proposição é vista como ridícula aos olhos dos costumes, mas é assim que deve ser (ele diz isto porque na Grécia antiga, as mulheres não eram cidadãs... na polis existiam os cidadãos, as mulheres e os escravos) . Cada um deve exercer a função que lhe cabe por natureza e a mulher não tem natureza diferente do homem: “... entre as ocupações da administração da cidade, nenhuma cabe à mulher porque ela é mulher, nem ao homem porque ele é homem, mas as qualidades naturais estão igualmente disseminadas nos dois sexos e, por natureza, a mulher participa de todas as ocupações e de todas também o homem, mas em todas elas a mulher é mais fraca que o homem.”. Por serem mais fracas que o homem, os trabalhos mais leves serão atribuídos às mulheres, mais elas participarão das guerras e das outras ações de guarda da cidade. É intrigante esta fala de Sócrates, pois nos livros anteriores, ele colocou as mulheres na mesma categoria das crianças e dos servos, ou seja, num nível abaixo dos homens; talvez, quando se trate de defender a cidade, todas as forças devam ser usadas, não importando tanto em que nível estão. Realmente recentemente li num artigo da revista "História Viva" que em tempos de guerra, os gregos libertavam os seus escravos para que eles lutassem e se aqueles que morriam lutando eram enterrados com honra e glória.
Seguindo, Sócrates aborda o assunto das famílias, como elas deveriam ser constituídas; ao ler sua proposta fiquei muito surpresa, foi como se estivesse lendo ficção científica. As idéias de Sócrates fizeram-me lembrar dos livros 1984 e Admirável Mundo Novo, nos quais a sociedade é controlada pelo governante de forma parecida.
Falando dos guardiões, ele propõe uma dissolução da família tradicional e em seu lugar, que todas as mulheres sejam comuns a todos os homens e que os filhos sejam comuns também, de modo que nenhum filho reconheça os pais e nem os pais reconheçam seus filhos. São os governantes que decidem o número de casamentos a fim de manter a população estável.
Aos corajosos na guerra, será permitido deitarem-se com mais mulheres, para que nasçam mais filhos corajosos. Vemos aqui um conceito de herança de características, ou seja, na visão de Platão, as características comportamentais eram passadas de pai para filho.
Nessa “família expandida”, não são os pais que cuidam dos filhos; eles são entregues às autoridades: “Os filhos dos bons, penso, esses encarregados pegarão e levarão para o redil, para junto de amas que moram aparte num lugar da cidade; as dos menos dotados e também as de uns e de outros, caso apresentem algum defeito, eles esconderão num local secreto e ignorado, como convém”.
Isto deve ser feito para “manter a raça dos guardiões pura”. No texto observei também em algumas ocasiões a comparação com animais, neste caso, há a comparação com cães de caça, pássaros de boa raça e cavalos. Os donos de tais animais se empenham para que somente os melhores tenham crias, de igual maneira, segundo Sócrates, assim deverão fazer também os governantes. E se para isso for necessário usar de mentira e fraude, que assim seja, pois “à guisa de remédio, coisas assim são úteis”. Sócrates já havia afirmado que o governante poderia mentir para o bem da cidade; aqui essa “ferramenta” é retomada com a função específica de controlar a quantidade e a qualidade dos cidadãos que nascem. Isso é bastante espantoso, para nós que vivemos hoje em dia – é como se a sobrevivência da cidade viesse acima de tudo, não importando os meios: largar os doentes à morte, mentir e fraudar, abandonar as crianças mais fracas, matar de fome as crianças ilegítimas. Parece que tudo se justifica para manter a cidade saudável, na concepção do filósofo.
Ele explica o porquê deste controle e do modelo de sociedade sem famílias: isso uniria toda a cidade numa só alegria ou numa só dor, uma vez que todos seriam irmãos, irmãs, pais e filhos.
Está faltando, a meu ver, levar em conta os sentimentos de afeto entre homens e mulheres, pais e filhos. Isso não pode ser extirpado da cidade, uma vez que é natural para nós sentir mais afeto pelos pares e descendentes; não acredito que os governantes conseguiriam controlar esse impulso natural com mentiras. Haveria revoltas, descontentamentos diversos e a mentira seria usada pelos cidadãos também para conseguirem o que mandam seus afetos. A cidade se degradaria.
Ainda no livro V, Sócrates afirma que os gregos não deveriam guerrear contra gregos, somente contra bárbaros, uma vez que as guerras internas enfraquecem as cidades, ficando mais suscetíveis a invasões externas. Ele sugere que se houver diferenças entre cidades gregas, que a vencedora tome a colheita da vencida – esta seria uma atitude moderada que permitiria que os cidadãos de ambos lugares, pudessem se reconciliar um dia. Aliás, Sócrates sugere que sejam feitos planos de reconciliação para que as cidades gregas não fiquem sempre em guerra.
Quando questionado se tal constituição poderia existir, Sócrates responde que não era intenção dele demonstrar que esse modelo poderia existir, no entanto, propõe que se for possível descobrir como uma cidade seja administrada de um modo que mais se aproxime do modelo, então que se conclua que pode existir a cidade perfeita. Depois disso ele irá analisar o que vai mal nas cidades que não possuem tal governo e quais mudanças, em menor número possível, permitiriam que tal cidade chegasse à constituição proposta por ele.
Por fim, Sócrates irá demonstrar que há conhecimento e opinião e que são coisas distintas. Os amigos do conhecimento são os filósofos, os que acolhem o próprio ser. São eles que têm condição de ver o justo em si e não apenas as coisas justas.
domingo, 3 de agosto de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
3 comentários:
hahahhaha
Nossa...ele tava indo tão bem no começo quanto à igualdade entre mulheres e homens...depois descambou...hahahaha
=P
Booaaa...descambou meesmo
Booaaa...descambou meesmo
Postar um comentário