domingo, 6 de julho de 2008

Afinal, o que é justiça?

Olá pessoal,
Não deu certo tentar trabalhar com link no blog, então, segue aqui o meu texto.
Até +

Comentário sobre o Livro II de A República, Platão. Martins Fontes, São Paulo, 2006.

Afinal, o que é justiça?
É vício ou virtude? Seria justo prejudicar um inimigo? Essas são questões difíceis de responder. Tentemos definir o que é justiça: justiça poderia ser definida como “fazer o bem e devolver a todos o que é devido”, então seria justo fazer mal aos inimigos, pois a eles o que é devido é o mal? Não me parece correto; para o homem justo, não é certo prejudicar alguém.
Talvez as pessoas escolham ser injustas, pois parece ser mais vantajoso ser injusto. A experiência mostra que os injustos não são punidos, pelo contrário, gozam de riquezas e facilidades na vida cotidiana. Na Grécia antiga, se dizia que se um homem rico cometesse muitas injustiças na sua vida, poderia usar o dinheiro para repará-las e assim, garantir um bom após-vida. Ora, hoje em dia, não é muito diferente, as pessoas cometem as maiores atrocidades durante toda a sua vida e quando vão chegando perto do fim se arrependem e tentam remediar todo o estrago feito. Hoje, porém, no mundo ocidental, influenciado grandemente pela religião judaico-cristã, não é tão simples resolver os pecados cometidos, não só com dinheiro, pelo menos; a culpa cristã ganhou dimensões extraordinárias nas nossas cabeças. Os gregos não sofriam desse mal...
Então, é mais vantajoso ser injusto ou justo?
A justiça é uma espécie de bem, quando fazemos justiça nos sentimos felizes; entendo que justiça seja uma espécie de prática do amor. Deste ponto de vista é mais vantajoso ser justo, pois nos sentiremos bem e, de fato, quando fazemos justiça, ou quando vemos justiça sendo feita, nos sentimos bem. Mas será que o que chamamos de justiça é realmente justiça? Vejamos um simples exemplo do nosso cotidiano: os roteiros cinematográficos comerciais usam e abusam da trama de injustiças sendo resolvida no final com o mocinho prevalecendo sobre o bandido, ou seja, na concepção do roteirista e do público em geral, a justiça sendo feita. Algo que notei é que, cada vez mais, principalmente nas produções norte-americanas, o que vemos é o bandido não somente sendo preso ou levando uma lição que o faz se arrepender por seus atos, ele é torturado, massacrado, explodido, literalmente pulverizado da face da Terra – dá-se um fim ao bandido no limite do que se pode imaginar de mais cruel – ou melhor, de fato, não há limites. Mas se a justiça é uma espécie de prática do amor, não seria um ato injusto tratar o injusto, digo, o bandido, desta forma?
O que se vê nos filmes é a vingança do mal cometido pelo injusto, uma vez que nem sempre as leis, que deveriam ser baseadas no princípio de justiça, dão conta de reparar o mal feito, então parte-se para a justiça “com as próprias mãos”. Mas, se justiça é uma espécie de bem, então como pode ser justo o fato de devolver ao bandido o mal que ele causou? Seria a vingança uma espécie de justiça?
Se a vingança traz um bem-estar parece, então, ser mais vantajoso ser injusto com aqueles que foram injustos conosco. Mas será que a vingança realmente traz um bem-estar? O que traria maior bem-estar a vingança ou o perdão? Parece-me justo que quem cometeu injustiça seja punido, mas no âmbito pessoal, talvez seja o perdão, mais do que a vingança, aquele sentimento que traga maior bem-estar, mas voltemos ao tema.
Há ainda outro aspecto: na busca do bem-estar não basta ser justo, a pessoa justa deve parecer ser justa aos olhos dos outros, para que receba o reconhecimento e as honras por seu comportamento justo. Se o justo parecer injusto, ele será execrado pelo grupo no qual está inserido. O contrário para o injusto que, se parecer ser justo, receberá as honras e o respeito da comunidade. Então o que traz vantagem não é ser justo, mas parecer justo. Por fim, há a tese de que se o homem tiver a certeza de que não será punido pelas injustiças que cometer, ele não terá escrúpulo nenhum cometê-las e mais: ninguém é justo por espontânea vontade, só é justo porque é covarde, ou é velho ou tem qualquer outra fraqueza que o impede de cometer injustiças. Será?
Bem, estes temas estão presentes nos Livros I e II da República de Platão. Deixando a questão da reputação, ou seja, do parecer ser justo, de lado, o objetivo de Platão é mostrar que é melhor ser justo do que injusto e que a justiça é um bem. Tomando o livro II, o que Platão mostra, na voz de Sócrates, é como a injustiça nasce nas cidades, pois para mostrá-la no indivíduo ele a amplia na aglomeração das cidades para que ela fique mais clara, mais evidente. A cidade começa por causa das carências naturais de todos nós. As pessoas que vão formar a cidade têm aptidões diferentes e, para que se busque a sobrevivência da melhor maneira, cada qual com a sua especialidade, produz aquilo que será importante para ele e para o outro; deste modo, o agricultor produz o trigo, o sapateiro, sapatos e assim por diante. Sócrates vai expandindo o raciocínio da formação das cidades até englobar o comércio, os portos e toda a infra-estrutura que existia numa “polis” da época. Ora a injustiça parece surgir quando os homens passam a querer mais do que o necessário: as pessoas se lançam “numa busca infindável de bens, ultrapassando os limites do que é necessário”, vindo daí as guerras e a necessidade de criar um exército. Ele se detém na figura de um guardião (soldado, governante) e suas qualidades tais como astúcia e força. O guardião, para ser bom no que faz, não pode usar a astúcia e a força contra a sua própria cidade – os guardiões devem ser “brandos com os seus, mas rudes com os inimigos”; então, o que vai distinguir quando usar a força e a astúcia e quando não usá-las? A resposta é: o conhecimento - “o que o faz discernir uma figura amiga de uma hostil é que uma ele conhece, a outra não”. Portanto ele deve gostar do conhecimento, ou seja, gostar de aprender. A partir daí, Sócrates discorre sobre o modelo ideal de educação e que os mitos com deuses se prejudicando e mostrando atitudes injustas, não deveriam ser contados às crianças. Ou seja, é a educação pelos bons exemplos que levará a nova geração na direção da virtude. Daí podemos concluir que, segundo Platão, são duas as causas da injustiça: o fato de os homens quererem mais do que o necessário e uma educação fundamentada em maus exemplos.
Ainda não consegui responder a pergunta: o que é justiça? Eu não sei defini-la, mas sei que é melhor viver numa cidade mais justa do que mais injusta. Com leis que garantam punições para aqueles que cometam injustiças, mas não com objetivo de vingança e sim com objetivo de inibir atitudes maléficas para a cidade. Do que eu li até agora em A República, eu achei muito pertinente a idéia de que o fato do homem querer mais do que precisa gera injustiça – a ganância gera injustiça.

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