domingo, 13 de julho de 2008

A República - Livro III

Comentário sobre o Livro III de A República, Platão. Martins Fontes, São Paulo, 2006.

Havíamos visto nos Livros I e II Sócrates argumentar em prol da justiça e que as causas da injustiça seriam o fato de os homens quererem mais do que o necessário e uma educação fundamentada em maus exemplos.
Ele segue no Livro III como o tema da educação iniciando pela crítica aos textos poéticos: “Quanto mais poéticos forem (os textos), menos deverão ouvi-los crianças e homens que devem ser livres e temer mais a escravidão que a morte”.
Retomando a discussão sobre a justiça Sócrates afirma que “...poetas e também os prosadores, ao falar sobre os homens, erram quanto a assuntos da maior importância, quando dizem que muitos homens injustos são felizes e muitos justos são sofredores e que é útil ser injusto, se isso permanecer oculto, e que a justiça é um bem, mas um bem para o outro e, em causa própria, uma perda.” Daí o cuidado em relação aos poetas e prosadores.
Uma frase que resume o ideal que busca Sócrates na sua cidade é: “O verdadeiro amor, por natureza, ama a ordem e o belo com temperança e harmonia”. Para atingir esse ideal não basta vigiar os poetas, também todos os artífices deverão ser vigiados.
A música educa a alma e a ginástica o corpo; depois da música, os jovens deverão ser educados com a ginástica. Do mesmo modo que o recomendado para a música, a ginástica deve ser simples e moderada; assim, Sócrates vai criticar o zelo excessivo com o corpo. A variedade gera a intemperança na alma e a doença no corpo, mas a simplicidade na música gera temperança nas almas, e na ginástica, a saúde dos corpos.
Assim, o fato de uma cidade precisar de muitos médicos e juízes é um indício de uma má educação e complementa Sócrates “Mais vergonhoso que isso seja que alguém não só passe a maior parte de sua vida nos tribunais como réu ou autor de processos, mas também, por falta de bom gosto, ainda esteja convencido de que, justamente em razão disso, possa pavonear-se dizendo que é hábil na injustiça e capaz de encontrar todas as escapatórias, de esgueirar-se procurando todas as saídas para não sofrer punição, e isso por questões mínimas e de somenos importância, ignorando quão mais belo e melhor é dispor sua própria vida de modo que para nada precise de um juiz sonolento”. Então aqui é retomado o tema da injustiça como vantagem.
Quanto aos guardiões (governantes, soldados), este deverão ser escolhidos entre homens que farão sempre o que julgarem vantajoso para a cidade e não aceitarão fazer o contrário. O método sugerido para se selecionar tais governantes é descrito a seguir: “E já desde a infância, devemos observá-los ao propor-lhes tarefas em que muito facilmente se esqueceriam de tal lema (de fazer o melhor para a cidade) e se deixariam enganar, escolhendo quem dele se lembra e não se deixa enganar, e excluindo os outros”. Guardiões perfeitos.
Nesta cidade ideal ninguém tem algo de propriedade sua, a não ser o estritamente necessário. Os atletas da guerra recebem os víveres dos outros cidadãos como pagamento pela guarda. Na cidade é proibido aos guardiões qualquer contato com ouro e prata. “Assim salvariam a si mesmos e a cidade”.
Segundo Platão na voz de Sócrates, o modelo de educação para a cidade passa por uma espécie de censura dos poetas, na busca em apresentar, para as crianças e jovens, bons exemplos. Além disso, há uma prática da moderação em vários aspectos: na alimentação, na música, na ginástica. Eu entendo a censura aqui proposta como uma tentativa de preservar as crianças e jovens de maus exemplos; este é o conceito de censura que vemos hoje. Quanto à moderação, à essa temperança, isso é muito difícil encontrar no mundo moderno, pelo contrário, o que vemos é um radicalismo, um excesso em vários sentidos: super-atletas, super-modelos, hiper-mercados... Tudo é extremamente exagerado. Quanto mais se exagera, mais recurso é necessário, mais se trabalha, mais complexa torna-se a cidade. Talvez influenciado pela cultura norte-americana no seu aspecto da cultura do “maior do mundo”, o maior se transformou em sinônimo de melhor. Assim, se eu fosse tirar algo do texto de interessante para o nosso mundo contemporâneo, seria a moderação; as nossas cidades, ou mais especificamente nosso cotidiano se beneficiaria desta moderação. O contrário da moderação causa o tão falado estresse.

3 comentários:

Mauro Berimbau disse...

Oi Márcia!

Um comentário a respeito da frase "Eu entendo a censura aqui proposta como uma tentativa de preservar as crianças e jovens de maus exemplos; este é o conceito de censura que vemos hoje."

- A censura que temos hoje pode ser vista como uma tentativa de trazer essa moderação de Sócrates para os jovens, protegendo-os de alguma maneira de um mal presente na sociedade. Pelo menos esta parece ser uma boa justificativa para o censurador.

- No entanto, a impressão que tenho é que a censura colocada pelas organizações (estado, meios de comunicação, escolas, juízes etc.) é uma busca pela substituição dos valores familiares. A proibição de certos conteúdos dá a sensação aos pais, os mais interessados, que seu filho está protegido de um espírito malígno que paira sobre nossas cabeças, um espírito que o senso comum supõe que vem principalmente dos meios de comunicação - da propaganda, dos jornais sensacionalistas, dos jogos eletrônicos etc.. Essas instituições seriam poderosas demais para que um pai possa proteger seus filhos totalmente desse conteúdo e, por isso, surgem outras instituições que prometem ajudá-los nessa tarefa, como as escolas, por exemplo.

- O que se ignora aqui é que essa proibição envolve apenas uma parte do que considera o problema. Afinal de contas, o que está sendo criticado pelos pais, mesmo que esses não tenham consciência disso, é uma cultura. Uma cultura midiática, uma cultura de consumo. A violência do jornal sensacionalista, o mundo ideal da publicidade e a simulação dessa realidade através dos videogames não são um "espírito maligno", mas sim um "espírito cultural" - são elementos, características, práticas de uma cultura. Um conjunto de costumes que orientam a sociedade.

- Não adianta proibir o acesso a certos conteúdos, porque a cultura se demonstra em muitos outros aspectos: na organização do trabalho, rotineiro e exigente, que impede que os pais fiquem com seus filhos. Nas escolas, com foco na formação "útil",para trabalho, no pensamento com função, e não na iluminação da mente. Na organização do consumo, intrinsicamente ligado ao entretenimento que, através do consumo do cinema, das praças de alimentação, dos shopping centers, se demonstram como a solução para os problemas do dia a dia, dessa rotina, trazendo através de bens e serviços a felicidade momentânea expressa no sorriso de crianças e adultos ao sair do último filme de Spielberg, ao comer um McLanche Feliz ou ao comprar o último jogo do Super Mario.
- A proibição dos conteúdos é, ao meu ver, um remédio. Não para as crianças, como se propõe, mas para os pais, que se acalmam ao imaginar que estão protegendo seus filhos do mal, anestesiando os seus sentidos e permitindo que a cultura do consumo se instaure nos hábitos das crianças. Essas proibições são estúpidas e só deixam as crianças ainda mais despreparadas para lidar com as características desta sociedade.

Mônica Berimbau disse...

Oi Marciááá!!!


Bem, li o seu texto e a resposta do Mauro.

Realmente é de arrepiar!!!

Me parece que nós não aprendemos nada, não é mesmo? É incrível que um texto tão antigo destes esteja tão atual!

Bem, ele fala muito sobre o equilíbrio tanto da alma quanto do corpo. Que é a ganância que nos transformou numa sociedade hipócrita, injusta e infeliz na procura de sempre querer ter mais.

Então me lembrei do Dalai Lama,que ao ser perguntado sobre o que mais o surpreendia na humanidade ele respondeu:

"Os homens...Porque perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem do presente de tal forma que acabam por não viver nem o presente nem o futuro. E vivem como se nunca fossem morrer...E morrem como se nunca tivessem vivido".

É...A gente se mata de trabalhar pra conseguir a casa dos sonhos...Quando consegue, a gente não aproveita a casa porque tem que se matar de trabalhar para mantê-la e comprar aquele carro zero porque precisa ir pro trabalho mais rápido, chegar mais cedo, sair mais tarde...aí a gente usa o carro pra ficar estressado no trânsito, trabalhar por umas 12 horas e chegar em casa tão cansados que a única coisa que vc aproveita mesmo é a sua cama, por umas 5 horinhas... =(

Será que compensa?


Eu ainda estou procurando essa resposta...rsrsrsrs

Bjus!!!!

Meu caderno de idéias disse...

Oi Mauro e Mônica, gostei dos seus comentários! Em relação ao que o Mauro escreveu sobre a censura, acho que vai por aí mesmo...pegando o gancho do livro "O que é Ideologia" da Marilena Chauí, ela diz algo mais ou menos assim: que a classe dominante usa de mecanismos para reproduzir a realidade que a mantém no poder; agora pensando, me parece que a censura é um desses mecanismos - a censura se baseia numa série de princípios morais que são definidos por quem tem o poder, certo? O exemplo que o Mauro levantou é na família - os pais querendo reproduzir nos filhos um padrão moral que é fruto das relações sociais ou melhor dizendo...contradições sociais... Quanto ao consumo, o ponto que a Mônica explorou, é um assunto muito interessante. Hoje eu fiquei prestando atenção nos programas de televisão e é incrível como todos eles transpiram consumo...não é só propaganda não!!! A propaganda, na minha opinião, é o mais inofensivo mecanismo de alienação, porque vc já sabe que é propaganda e já se põe num modo de defesa... mas tem muito mais; vc tem programas de decoração, programas sobre os artistas de hollywood, talk shows, séries, novelas, video-clips etc.; todos eles vendendo um "estilo de vida", todos eles te incitando a desejar algo e, conseqüentemente, a comprar algo. É um bombardeio pesado!!!