domingo, 20 de julho de 2008

A República - Livro IV

E aí o que vcs estão achando de A República? Gostei bastante dos comentários que recebi sobre o Livro III - quem quiser acompanhar a discussão é só acessar a lista de comentários, logo abaixo do texto.
Bom, seguimos, então, com o livro IV - estamos quase na metade...

Comentário sobre o Livro IV de A República, Platão. Martins Fontes, São Paulo, 2006.

No livro IV, Sócrates dirá que a meta ao fundar a cidade não era fazer somente uma classe muito feliz, mas deixar todos na cidade felizes. Isso será possível ao dar a cada coisa o que lhe cabe, nem mais, nem menos. Se cada um for o melhor artífice em seu próprio ofício, participará da felicidade que a natureza lhes atribui. Segundo Sócrates, cada um deve fazer o que sua inclinação natural indica.
Sócrates afirma também que a riqueza produz luxo, ociosidade e gosto por inovações e a pobreza traz a grosseria e a maldade, por isso, devem ser evitadas. É curiosa a opinião sobre a inovação: que deve ser evitada. Esta posição é bastante diferente no mundo contemporâneo; hoje em dia se busca inovação constante como forma de diferenciação para a sobrevivência.
Como uma cidade sem riqueza poderia fazer guerra? Segundo Sócrates, seria fácil guerrear contra duas cidades. Como na cidade idealizada não é permitido acumular riquezas, bastaria oferecer a uma das duas outras cidades, a riqueza da outra cidade, a conquistada. Além disso, é mais fácil lutar contra ricos e gordos do que contra atletas e a cidade ideal teria guerreiros atletas, enquanto que as outras cidades, nas quais há riqueza, o exército seria constituído de ricos e gordos.
A seguir o tema abordado é o do tamanho da cidade: ela deve crescer até o limite no qual permaneça uma só. Ela permanecerá única contanto que cada cidadão faça o que sua inclinação natural indicar, não mais; aqui, a pluralidade é condenada em favor da unicidade.
Sobre as leis, Sócrates diz que a educação dá o impulso que determina o curso posterior e não se deve legislar sobre os bons costumes, isso seria ingênuo. Leis seriam criadas e revistas constantemente em busca da perfeição, para prevenir os maus costumes; mas é a educação que tem esta força, não a lei – aqui encontramos um paralelo muito atual com os nossos legisladores: quantas novas leis são criadas para proibir ou tentar conduzir práticas que deveriam ser normais para a maioria, bastando para isso uma boa educação. Nossa constituição, constantemente remendada não consegue dar conta de manter a ordem e a justiça – e nem poderia.
Agora que a cidade já tem suas bases, Sócrates convida os presentes para analisar onde está a justiça e onde está a injustiça. Bem, a cidade construída hipoteticamente no diálogo tem quatro virtudes: é sábia, corajosa, temperante e justa. A primeira virtude a ser analisada é a sabedoria: a cidade é sábia, pois é judiciosa nos seus julgamentos e é com ciência que se faz bons julgamentos. A ciência que delibera sobre a cidade como um todo é a ciência usada pelos guardiões. “É graças à classe, à porção que é menos numerosa, a que se mantém à frente dela e a governa, e à ciência que aí existe, que uma cidade, criada segundo a natureza, é integralmente sábia;...”. A ciência da qual participam os guardiões é a única que deve ser chamada de sabedoria.
A seguir Sócrates define o que é coragem: “Da opinião, formada sob a ação da lei e por intermédio da educação, sobre o que e quais são os perigos. Eu dizia que preservar essa opinião era mantê-la a salvo em qualquer situação, quer se esteja no meio de sofrimentos ou de prazeres, de paixões ou de temores, sem desfazer-se dela.”...”Tal força e preservação constante da opinião reta e legítima sobre o que constitui perigos ou não eu chamo e considero coragem”.
Já a temperança é dominar certos prazeres e desejos. Sócrates afirma que aquele cuja parte melhor domina a pior é chamado temperante. Temperança é uma espécie de harmonia, segue Sócrates: “...essa concordância é temperança, uma consonância natural do pior e do melhor sobre qual dos dois deve governar na cidade e também no íntimo de cada um.” e, diferentemente das outras duas outras virtudes citadas antes, deve estar presente em toda a cidade para que esta seja considerada temperante. Já a coragem e a sabedoria, uma vez estando presentes num pequeno grupo de cidadãos, já se pode dizer que a tal cidade possui estas virtudes.
Após explicar as virtudes, resta a Sócrates se voltar para a justiça que é finalmente definida como “cada um cumprir a tarefa que é sua” e possuir o que é seu. Ao contrário, se cada um se intrometer na função do outro ou tomar o que é posse do outro, teremos a injustiça.
Seguindo o seu método de analisar os mesmos aspectos na cidade e no indivíduo, agora que Sócrates examinou a cidade, ele se volta para o indivíduo. Ele procurará na alma do indivíduo as mesmas virtudes que ele identificou na cidade ideal e, encontrando-as, esse indivíduo será justo.
Há três partes distintas na alma: o desejo, o ímpeto e a razão. Se a educação é boa, o ímpeto auxiliará a razão em detrimento dos desejos. Se cada uma destas três partes cumpre sua tarefa com propriedade, então o homem será justo. Se uma parte for muito ativa e se intrometer na outra ou se uma das partes tentar dominar a alma, assumindo o comando, então o homem será injusto.
Por fim resta examinar se é justo cometer atos justos mesmo que os outros não tomem conhecimento de tais atos e se é injusto cometer injustiças mesmo que não haja punição. Para tanto, Sócrates se refere a cinco formas de governo e cinco formas de alma. A forma de governo tratada até então foi a monarquia ou a aristocracia; estas duas constituem uma única forma de governo: na primeira há um governante, na segunda, vários.

3 comentários:

Mônica Berimbau disse...

"Se cada um for o melhor artífice em seu próprio ofício, participará da felicidade que a natureza lhes atribui. Segundo Sócrates, cada um deve fazer o que sua inclinação natural indica".

Vou fazer um comentário bem nerd agora... =P

Mas sabe o que me veio na cabeça quando li essa frase? Jornada nas Estrelas!! rsrsrsrs

Eu sempre fiquei pensando em como viver naquela sociedade. Você não vê distinção entre as pessoas, claro que os uniformes ajudam muito nisso, mas mesmo assim, você não vê nenhum tipo de guerra entre egos.

As pessoas fazem cada uma o seu trabalho e não entram no trabalho das outras...

O Spock jamais almejou o cargo do capitão Kirk...Jamais quis ser o capitão da nave.

E não importa se você é um oficial de ciências que sabe de cor todas teorias sobre o universo ou a conselheira da nave, uma espécie de psicóloga do futuro, como a Deanna Troi, que sente o que os outros sentem por ser meia betazoide... Eles têm o mesmo grau de importância no universo Enterprise.

E mais!!! Eles são reconhecidos pelo que fazem. Não importa em que área esteja ou o cargo que ocupe...Para que a nave funcione, todos os trabalhos e cargos são importantes...Ninguém é menosprezado...

Ninguém é mais do que ninguém.

E todos vivem bem, com as mesmas condições, acesso à educação, alimentação, moradia, saúde, lazer...

Seria bom morar num lugar assim, né? =D

Bjus!!

Meu caderno de idéias disse...

É mesmo Mô! Eu não tinha pensado nisso... O Kirk era o capitão porque ele tinha as habilidades para isso, a mesma coisa o Spock, o McCoy e a Uhura - se eles seguiam a "inclinação natural" deles, não tinha porque ser questionado e não tinha sentido alguém querer algo diferente da sua função. Muito bem observado!!! Se vc achou o seu comentário nerd, espere para ler a minha explicação do "mito das cavernas" com o filme matrix =P

Vander Soares disse...

Tanto Jornada como Matriz fazem sim alusão de perspectivas interessantes para a realidade.
Em, ambas percebemos a vontade humana de construir mundos imaginários nos moldes do universo platônico. O bom, o belo e puro sincronizados de forma a minimizar a "vontade de poder" de Nietzsche.
A questão é...porque não conseguimos depois de milhares de anos construir tais realidades aqui mesmo na terra.
uma abraço meninas superpoderosas...